
Ainda é necessário diminuir a pressão venosa central durante as hepatectomias?
Estudo recente indica que a redução da pressão venosa central (PVC) pode não ser imprescindível em hepatectomias minimamente invasivas, desafiando práticas cirúrgicas tradicionais.
O fígado é um órgão altamente vascularizado, com três sistemas vasculares principais: arterial, venoso e portal. Devido a essa vascularização intensa, as cirurgias hepáticas requerem um controle rigoroso do sangramento. Uma das abordagens clássicas para minimizar a hemorragia durante essas intervenções é a redução da PVC. Essa estratégia tem como objetivo diminuir a estase nas veias hepáticas, minimizando a congestão do fígado e, consequentemente, a propensão ao sangramento.
No entanto, a diminuição da PVC geralmente requer a depleção de volume do paciente, o que pode envolver a restrição de fluidos intravenosos e o uso de diuréticos. Esses métodos não são isentos de riscos e podem levar a complicações indesejadas.
Um estudo publicado na Annals of Surgery analisa a necessidade de reduzir a PVC durante hepatectomias minimamente invasivas. O pneumoperitônio utilizado nessas cirurgias pode contrabalançar a pressão venosa central, potencialmente reduzindo o sangramento.
Materiais e Métodos
Este estudo foi realizado em um centro único e foi um ensaio clínico cego, randomizando pacientes em dois grupos: um grupo teve a PVC reduzida e o outro não. Todos os pacientes foram submetidos a procedimentos cirúrgicos semelhantes e a randomização ocorreu no momento da cirurgia. Cirurgiões e analistas de dados não tinham conhecimento do status da PVC durante o procedimento.
Os desfechos primários incluíram o sangramento total do paciente desde a incisão na pele, enquanto os desfechos secundários incluíram a perda de sangue especificamente durante a transecção hepática, além das comorbidades associadas ao procedimento.
Resultados
Após as exclusões necessárias, 54 pacientes foram alocados no grupo com redução da PVC e 58 no grupo sem redução. Os dois grupos apresentaram características epidemiológicas semelhantes, incluindo o uso de anticoagulantes orais. A perda sanguínea total foi de 360 mL no grupo com redução da PVC, enquanto no grupo sem redução foi de 280 mL. Durante a transecção, o sangramento foi de 220 mL no grupo sem redução e de 240 mL no grupo com redução.
A análise dos resultados revelou que os únicos parâmetros com diferenças estatisticamente significativas foram a ocorrência de hipotensão (p=0,03) e a necessidade de doses mais elevadas de aminas (p=0,04), ambas desfavoravelmente associadas ao grupo com redução da PVC. No pós-operatório, os desfechos foram semelhantes entre os grupos, embora o grupo com redução da PVC apresentasse uma leve elevação na taxa de infecções de sítio cirúrgico (p=0,04). Indicadores mais graves, como mortalidade e tempo de internação hospitalar, não mostraram diferenças significativas entre os grupos.
Discussão
Este estudo é um dos primeiros a avaliar a eficácia de hepatectomias com pneumoperitônio em uma faixa de pressão de 15-18 mmHg, sem a necessidade de depleção do volume intravascular dos pacientes. Os resultados indicam que a perda sanguínea foi similar nos dois grupos, sugerindo que o uso de pneumoperitônio nessa faixa de pressão, aliado a fluidos intravasculares em quantidade adequada e manobras de Pringle intermitentes, pode efetivamente controlar o sangramento.
Embora outros estudos tenham demonstrado resultados com redução significativa da perda sanguínea em hepatectomias minimamente invasivas com PVC mais baixa, as metodologias empregadas variaram e a maioria das ressecções foi realizada em casos de hepatocarcinoma. A redução da PVC pode levar a um aumento no uso de aminas e episódios de hipotensão durante a cirurgia, o que poderia resultar em menor perfusão periférica e, teoricamente, justificar o aumento da taxa de infecções de sítio cirúrgico observada no grupo com redução da pressão venosa.
Em conclusão, este estudo sugere que hepatectomias minimamente invasivas podem ser realizadas sem a necessidade de redução da pressão venosa central, trazendo potenciais benefícios adicionais aos pacientes.
Considerações Finais
Os dados apresentados indicam que a prática de realizar hepatectomias com uma PVC bem controlada não traz benefícios significativos em termos de sangramento. Contudo, é necessário investigar se essa abordagem pode ser adotada de maneira universal, considerando que os dados foram consistentes e não inferiores. Iniciar hepatectomias menores sem uma diminuição drástica da PVC pode ser uma estratégia promissora.
Referências
Téoule P, Dunker N, Debatin J, et al. Reduction of Central Venous Pressure in Elective Robotic and Laparoscopic Liver Resection: The PRESSURE Trial-A Randomized Clinical Study. Ann Surg. 2025;282(2):210-218. doi:10.1097/SLA.0000000000006721
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